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    A Queda de Adão e Ellen White
    Ellen White

    A Queda de Adão e Ellen White

    Análise crítica da Queda de Adão em contraste com a teologia de Ellen White. Descubra inconsistências adventistas com base bíblica e amplie seu entendimento.

    27 de dezembro de 20258 min min de leituraPor Rodrigo Custódio

    Introdução

    A doutrina da Queda de Adão ocupa papel central na antropologia teológica e soteriologia cristã, sendo decisiva para a compreensão da universalidade do pecado e da necessidade da redenção em Cristo. Em contraste com a teologia reformada clássica, o adventismo do sétimo dia, especialmente sob influência dos escritos de Ellen G. White, frequentemente caracteriza o papel de Adão nesse evento fundacional a partir de uma ótica emocional, sugerindo que sua transgressão foi motivada por dilemas afetivos e não por rebelião consciente. Este artigo se propõe a problematizar, com rigor acadêmico, a consistência dessa leitura adventista da Queda, enfrentando especificamente a perspectiva de Ellen G. White com sólida exegese bíblica e teologia histórica. Serão analisadas: as afirmações da autora, a distinção paulina entre Adão e Eva em 1 Timóteo 2:14, as implicações da teologia do pacto na culpa adâmica, a narrativa original de Gênesis 3 e, por fim, os perigos teológicos de uma antropologia sentimentalizada. Ao longo do texto, será demonstrado como a tentativa de suavizar a culpa de Adão compromete os pilares da doutrina bíblica do Pecado Original e da Cabeça Federal, exigindo, pois, uma retomada à fidelidade escriturística.

    1. A Perspectiva de Ellen G. White: O “Sacrifício” de Adão e o Engano Emocional

    A abordagem de Ellen G. White à narrativa da Queda apresenta uma releitura peculiar do evento, notadamente divergente da interpretação protestante histórica. Em Patriarcas e Profetas, White assevera que Adão agiu movido por sentimento profundo de amor e “solidariedade” conjugal, insistindo que sua escolha de pecar foi tragicamente motivada pelo desejo de não se separar de Eva.

    “Adão compreendeu que sua companheira havia transgredido a ordem de Deus... Mas Adão resolveu partilhar a sorte dela; se ela devia morrer, com ela morreria ele... Ele tomou o fruto e o comeu.”
    (Ellen G. White, Patriarcas e Profetas, Casa Publicadora Brasileira, Tatuí, 2007, p. 36-37)

    Embora White reconheça, em certo grau, que Adão não foi enganado pela serpente, como Eva, a ênfase recai sobre elementos psicológicos e relacionais. Multiplicam-se, assim, entre teólogos adventistas, tentativas apologéticas de suavizar sua culpa, apresentando-o como vítima de “persuasão emocional” irresistível.

    • Essa hermenêutica implica a deslocação da natureza da ofensa: de um ato de rebelião lúcida contra o mandamento de Deus para uma dramática demonstração de amor humano.

    • Ademais, textos como O Grande Conflito sugerem um engano secundário – através de Eva como intermediária – reduzindo a gravidade da responsabilidade adâmica perante Deus.

    Tal perspectiva, embora confortante sob o ponto de vista afetivo, introduz sérios riscos teológicos: obscurece o caráter do pecado original, relativiza as categorias de culpa e julgamento e ameaça o fundamento neotestamentário do papel de Adão como cabeça federal.

    2. Exegese Paulina de 1 Timóteo 2:14 e a Distinção entre Adão e Eva

    A exegese paulina de 1 Timóteo 2:14 é incontornável para uma análise crítica da doutrina adventista a respeito do suposto engano de Adão. Paulo, de maneira enfática e técnica, distingue o tipo de transgressão cometido por cada protagonista do Éden:

    "E Adão não foi enganado, mas a mulher, sendo enganada, caiu em transgressão." (1 Timóteo 2:14)

    A escolha do verbo grego apataō (enganar) nesta passagem não é casual — denota ilusão cognitiva real, uma autêntica convicção errônea a respeito da ação. No caso de Eva, Paulo utiliza até a forma intensificada exapataō: sua queda é resultado de um erro intelectual provocado por mentira.

    • Eva: Enganada cognitivamente, acredita no discurso da serpente ("Certamente não morrereis"), o que configura falibilidade.

    • Adão: Explicitamente não foi enganado. Sua desobediência é cometida com consciência clara sobre a proibição e as consequências. Não há espaço para a categoria "vítima epistêmica" no caso de Adão.

    Tal leitura é corroborada por William Hendriksen, teólogo reformado:

    “A distinção está no fato de que Eva confiava na serpente; Adão não. Ele pecou com os olhos abertos... foi uma transgressão presunçosa, de mão alta.”
    (William Hendriksen, Exposition of the Pastoral Epistles, Baker, 1957, p. 109)

    Qualquer tentativa, portanto, de atenuar a responsabilidade adâmica por via de sentimentos ou manipulação emocional viola essa afirmativa apostólica e tergiversa a internalidade do pecado: Adão sabia e escolheu pecar abertamente.

    3. A Teologia do Pacto, a Cabeça Federal e a Necessidade do Ato Volitivo

    A teologia sistemática reformada tradicional, fundamentada sobretudo em Romanos 5:12-19, estabelece a doutrina da Cabeça Federal: Adão, como representante legal e espiritual da humanidade, afeta toda a raça por sua própria decisão.

    “Portanto, assim como por um só homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado a morte... Pela desobediência de um só homem, muitos foram feitos pecadores, assim também pela obediência de um muitos serão feitos justos.” (Romanos 5:12, 19)

    Se Adão houvesse pecado por engano (ou sob influência irresistível), juridicamente e espiritualmente sua culpa seria mitigada, tornando injustificável a imputação universal da culpa – um dos fundamentos do Pecado Original.

    • Segundo a Lei Mosaica, atos pecaminosos motivados por ignorância ou engano (shegagah) requeriam expiação diferenciada, não envolvendo culpa plena (cf. Levítico 4:2-3; Números 15:27-29).

    • O Pacto das Obras demandava obediência perfeita e consciente; a transgressão precisa ser um ato deliberado para fundamentar a acusação divina coletiva.

    Louis Berkhof conclui:

    “O pecado de Adão foi um pecado em que ele quebrou o Pacto das Obras... Não foi um pecado de ignorância, mas de determinação volitiva contra a autoridade de Deus.”
    (L. Berkhof, Systematic Theology, Eerdmans, 1996, p. 223)

    Qualquer narrativa – como a de Ellen White – que modalize a culpa adâmica a partir de motivações “nobres” ou “humanitárias” mina a razão da queda enquanto juízo de toda a humanidade, e lança sombras sobre a suficiência vicária do Segundo Adão, Cristo.

    4. Gênesis 3: Narrativa Original e o Silêncio Exculpatório de Adão

    O exame exegético do relato de Gênesis 3 elucida a natureza distinta da transgressão de Adão perante Deus, contrastando frontalmente com a reconstrução sentimentalista de White. Após a queda, Deus interroga os infratores:

    “Disse o homem: A mulher que me deste por companheira, ela me deu da árvore, e comi.” (Gênesis 3:12)
    “Disse a mulher: A serpente me enganou, e eu comi.” (Gênesis 3:13)

    A diferença é notória:

    • Eva explicitamente atribui sua culpa ao engano (“me enganou”). Deus não nega essa alegação, confirmando que a fraude foi determinante.

    • Adão não reivindica engano ou desconhecimento. Ao invés disso, transfere responsabilidade à mulher (e indiretamente a Deus, “a mulher que me deste”), sem mencionar ter sido iludido ou manipulado.

    Gordon J. Wenham destaca:

    “O homem não alega ignorância. Ele capitulou à pressão social, escolhendo a solidariedade com a esposa em vez da obediência a Deus. Mas foi uma escolha, não um truque.”
    (G.J. Wenham, Word Biblical Commentary Vol. 1: Genesis 1-15, Word, 1987, p. 77)

    Note-se que a sentença divina é incisiva: “visto que atendeste à voz de tua mulher...” (Gênesis 3:17). O texto bíblico responsabiliza Adão não por “ter sido levado” mas por ter invertido a ordem criada, priorizando a voz da criatura à do Criador. Se houvesse o menor vestígio de engano, como no caso de Eva, o texto sagrado forneceria atenuantes; não é o que vemos.

    5. O Perigo Teológico de uma Antropologia Sentimentalista Adventista

    A tendência, presente na teologia de Ellen G. White e ecoada no adventismo contemporâneo, de formular uma “narrativa de redenção romântica” para Adão carrega sérias implicações doutrinárias.

    1. Minimiza a culpa racional e rebelde de Adão: Ao enfatizar os motivos emocionais, transfere para a aflição afetiva protagonismo que deveria ser ocupado pela voluntariedade rebelde. Isso compromete a lex talionis do juízo divino.

    2. Desvirtua a teologia do pacto: Um pecado motivado por fragilidade relacional, e não por rompimento deliberado do pacto-aliança, arruína paralelos essenciais entre Adão e Cristo enquanto cabeças federais.

    3. Enfraquece a gravidade da Queda: O drama existencial de um “herói sacrificial” obscurece o caráter trágico e abissal da apostasia prototípica – a troça de Satanás era que o homem ousaria desobedecer a Deus, e não apenas que o faria por amor a outro ser.

    4. Compromete a soteriologia bíblica: Se Adão não agiu como representante consciente na transgressão, a lógica da representatividade redentora de Cristo tampouco se sustenta.

    Ao examinar teologicamente o problema, conclui-se que a insistência adventista, fomentada pela leitura whiteana, representa mais do que uma nuance interpretativa: trata-se de sério erro que compromete pilares fundamentais da fé reformada e da ortodoxia cristã.

    Conclusão

    A análise crítica demonstrou que a tentativa, advinda dos escritos de Ellen G. White e amplamente replicada na teologia adventista, de recontextualizar a culpa de Adão em uma ótica emocional conflita diretamente com a exegese rigorosa das Escrituras. O testemunho paulino (1 Timóteo 2:14) distancia Adão do engano experimentado por Eva, estabelecendo-o como transgressor voluntário e cônscio. A teologia do pacto e a doutrina da cabeça federal, cruciais para a justificação da imputação do pecado original, pressupõem precisamente este ato de rebelião lúcida.

    A narrativa de Gênesis 3 reforça essa leitura, ao apresentar Adão sem atenuantes, sem alegação de engano ou de incapacidade epistêmica. O sentimentalismo whiteano, ao romantizar a Queda, dilui a gravidade da rebelião humana e, consequentemente, o escopo da redenção operada por Cristo, o “Segundo Adão”.

    Faz-se, pois, necessário, especialmente aos leitores provenientes do adventismo que questionam a coerência de suas doutrinas, retornar ao fundamento escriturístico. A Queda foi, primariamente, um ato de alta traição – consciente, lúcido, deliberado. Qualquer tentativa de suavizar ou sentimentalizar esse abismo é infiel ao testemunho bíblico e irregular ante a tradição reformada. Devemos, antes, conceber a Queda como a tragédia cósmica que ela é, para compreendermos plenamente a majestade e suficiência de Cristo como único Salvador.

    "Portanto, assim como por um só homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado a morte..." (Romanos 5:12)

    "E Adão não foi enganado, mas a mulher, sendo enganada, caiu em transgressão." (1 Timóteo 2:14)

    A fidelidade doutrinária à Palavra de Deus exige o repúdio a toda forma de sentimentalismo teológico – mesmo quando bem intencionado – em favor da honestidade exegética e da integridade sistemática reformada.

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