
Entre Acusações e Silêncio: O Caso do Pastor Fabiano Sartoratto
Análise crítica do caso Pastor Fabiano Sartoratto revela fragilidades no sistema pastoral adventista. Leia e reflita sobre justiça e transparência na IASD.
Introdução
O caso do pastor Fabiano Sartoratto, desligado do ministério após 23 anos de serviço à Igreja Adventista do Sétimo Dia (IASD), revela muito mais do que um conflito conjugal que transbordou os limites domésticos. Exposto em uma longa carta endereçada à União Central Brasileira (UCB), o episódio revela a engrenagem de poder, os mecanismos disciplinares e as fragilidades de proteção procedimental dentro do sistema pastoral adventista.
1. Contexto Geral do Caso
Em 5 de dezembro de 2019, o pastor Fabiano Sartoratto encaminha um documento detalhado ao presidente da União Central Brasileira, Pr. Maurício Pinto Lima. O objetivo declarado é duplo: refutar as acusações constantes na carta da Associação Paulista Leste (APL), de 10 de setembro de 2019, e pleitear a revisão do seu desligamento do ministério adventista, que ele considera precipitado e injusto.
Fabiano relata um colapso simultâneo: em menos de duas semanas, diz ter perdido a esposa (pela separação), a família (pela saída da esposa com o filho menor) e o ministério pastoral de 23 anos. O impacto emocional foi tão intenso que resultou em depressão profunda, perda de dez quilos, insônia, isolamento e necessidade de acompanhamento psiquiátrico, devidamente atestado em laudo médico anexado ao processo.
2. Histórico Conjugal e Início da Crise
A narrativa começa com a reconstrução da história conjugal. Fabiano e Mônia se conheceram em 1994, em Campo Grande (MS), quando ele era um jovem estudante de teologia do UNASP-EC e ela acabara de concluir o ensino médio. Casaram-se em fevereiro de 1996, e, logo após, ele iniciou sua trajetória pastoral, passando por Santa Maria de Jetibá (ES), São Mateus (ES) e outros campos, sempre destacando a presença da esposa.
O texto enfatiza o desenvolvimento acadêmico e profissional de Mônia: professora de inglês, depois fisioterapeuta, pós-graduação, aulas como ouvinte na USP e aprovação no mestrado em Gerontologia. Fabiano usa essas informações para rebater a acusação de que teria sido um marido abusivo e controlador, argumentando que financiou estudos, veículos e outras oportunidades, em vez de cercear a liberdade da esposa.
Segundo ele, o casamento começa a entrar em crise a partir de meados de 2017, quando Mônia inicia a jornada na USP. Surgem comportamentos que ele interpreta como sinais de distanciamento: horas no celular trancada no banheiro, menor envolvimento com a igreja e com a casa, muitas saídas, retornos tarde da noite e um “novo estilo de vida” que o preocupa.
3. A Busca de Ajuda e o Aconselhamento Pastoral
Em 14 de junho de 2018, diante do agravamento dos conflitos conjugais, Fabiano procura o pastor Dermival Reis, então ministerial da APL, para pedir ajuda. Dermival o ouve, fala com Mônia, depois com o casal, e oferece uma série de conselhos estruturais para tentar preservar a relação.
Entre as recomendações, aparecem decisões de grande impacto:
Buscar tratamento psicológico com profissionais indicados pela igreja.
Permitir que Mônia frequentasse outra igreja (Belém), e não a do distrito onde ele era pastor (Tatuapé).
Desvincular as contas bancárias, permitindo que ela administrasse seus ganhos sem interferência.
Evitar dureza nas palavras ao tratar dos problemas conjugais.
Não se opor às saídas de casa, nem controlar rigidamente horários.
Ler um livro devocional indicado e orar pela restauração.
No fim de 2018, aceitar inclusive a separação de quartos por orientação do ministerial.
Fabiano afirma ter acatado todas essas orientações, embora “muito contrariado” em alguns pontos, entendendo que obedecer seria parte do esforço para salvar o casamento.
4. Padrões de Conduta Imprópria Atribuídos à Esposa
A partir daqui, o documento assume forte caráter defensivo-investigativo: Fabiano tenta mostrar que não era o único nem o principal causador da crise, reconstruindo episódios que, segundo ele, revelam conduta imprópria de Mônia.
4.1. O Caso Enock
Enquanto pastoreava a igreja do Belém, em 2017, Fabiano relata que Mônia desenvolveu uma amizade “pouco recomendável” com um membro chamado Enock. Ela teria saído com ele duas vezes para tomar vinho numa adega, o que Fabiano descobre através do WhatsApp, visto por acaso no telefone dela, acessado pelo filho.
Nas mensagens, Mônia elogia o vinho, fala em repetir a dose e participa de uma conversa sobre maconha, em que Enock a convida para um aniversário onde haveria “maconheiros” e promete ensinar os melhores horários para consumo. A conversa termina com ela dizendo: “Agora não, mas em breve”.
Na sequência, Fabiano relata que ela recusa um convite dele para jantar no Dia dos Namorados e, no dia seguinte, vai ao aniversário de Enock, leva presente, almoça com ele, acompanha-o até em casa com um bolo, e retorna tarde. Ele descreve o constrangimento de ver a esposa pastora associada à bebida alcoólica, ao tema da maconha e à proximidade intensa com um membro divorciado.
4.2. O Caso Lindomar
Mais tarde, já no contexto do mestrado, Mônia teria longas conversas noturnas com um colega chamado Lindomar. Fabiano afirma ter lido mensagens em que um dizia ao outro “eu te amo”, o que ele considera totalmente impróprio para uma mulher casada e uma falta grave de respeito à família.
4.3. O Caso do Pastor Arilton Oliveira
O ponto culminante é a descoberta, em 25 de julho de 2019, de um relacionamento virtual impróprio entre Mônia e o pastor Arilton Oliveira, apresentador da Rede Novo Tempo. Segundo o relato, ambos se aproximam de novo a partir de conversas sobre crises conjugais, mas o vínculo evolui, e em 2018 passa a haver trocas de mensagens com perfis “fakes”, de conteúdo licencioso.
Em 5 de agosto de 2019, Arilton envia a Fabiano uma mensagem de WhatsApp pedindo perdão pelas mensagens trocadas com Mônia, dizendo que não tem tido paz, que teme as consequências para sua própria família, que a esposa dele não sabe de nada, e implora para que o assunto não se torne público, pois depende do ministério para sustentar três filhos. Fabiano interpreta essa carta como confissão indireta de culpa moral e como demonstração de que não se tratava de simples aconselhamento pastoral.
5. A Reação de Mônia: Delegacia, Medida Protetiva e Gravações
Pouco tempo depois da descoberta da infidelidade virtual, em 31 de julho de 2019, um oficial de justiça chega ao condomínio atrás de Mônia. Fabiano atende e descobre que ela havia ido à Delegacia da Mulher pedir medida protetiva contra ele, alegando que corria risco após ele tomar conhecimento de sua “leviandade”.
Ela leva gravações de discussões do casal como prova de suposta violência. O pedido, porém, é indeferido pelo juiz, que conclui que o material apresentado não demonstra risco à integridade física dela nem dos filhos. Posteriormente, Mônia reabre o caso e inclui o filho mais velho, Aleph, como vítima, mas o Ministério Público e a juíza novamente arquivam o processo.
Fabiano admite ter se exaltado em algumas discussões, mas nega agressões físicas, insultos de baixo calão ou ameaças, e afirma ter pedido perdão repetidas vezes pelo tom de voz elevado. Diz também que desconhecia totalmente o fato de a esposa gravar as conversas por um longo período e que essas gravações foram exibidas a terceiros e autoridades sem que ele soubesse nem tivesse acesso ao conteúdo para se defender.
6. A Escalada na Estrutura da Associação Paulista Leste
Em 3 de agosto de 2019, Fabiano relata ao pastor Dermival o envolvimento de Mônia com Arilton, na expectativa de receber apoio da administração para resolver o caso com justiça e proteção ao casamento. No dia 8 de agosto, o tema é levado ao presidente da APL, pastor Aguinaldo Guimarães.
A partir desse ponto, a narrativa mostra uma aceleração dramática:
18/08: Fabiano ainda realiza um casamento na igreja do Tatuapé.
21/08: Aguinaldo liga e comunica seu afastamento do distrito, justificando com “acusações pesadíssimas” feitas por Mônia.
23/08: os anciãos do campo são oficialmente informados.
24/08: a igreja é notificada de que ele não é mais o pastor; duas semanas depois, um novo pastor é apresentado.
Fabiano ressalta que nenhuma liderança da APL o visitou pessoalmente para ouvir sua versão detalhada, nem esteve nas igrejas sob sua responsabilidade para explicar o que estava acontecendo. Ele questiona a pressa, considerá-la incompatível com uma apuração responsável e com princípios de transparência.
7. O Conselho Ministerial de 4 de Setembro: Falhas de Devido Processo
Na véspera do Conselho Ministerial (3/9), Fabiano tem uma reunião com Aguinaldo. Segundo seu relato, o presidente reconhece a complexidade da situação, diz que Mônia tinha tornado os problemas públicos, mas promete tentar defendê-lo, comentando que o desfecho poderia ser apenas uma censura. Aguinaldo descreve o rito de forma clara: primeiro seria ouvida Mônia, depois Fabiano.
Na prática, segundo Fabiano, o que acontece é o inverso:
Ele entra primeiro, fala por cerca de uma hora e meia, reafirma seu desejo de salvar o casamento, evita atacar a esposa e pede perdão por suas falhas.
Recebe poucas perguntas, simples, e sai com a impressão de que não havia muitos questionamentos.
Mônia, embora esteja em outra sala, não é chamada a depor; é informada de que o caso já está praticamente decidido e que sua presença não é necessária.
A carta da APL fala em reunião de 9h30 às 17h30, ou seja, cerca de oito horas. Fabiano, porém, participou de apenas uma fração desse tempo. Se a principal acusadora não foi ouvida e sua participação foi relativamente curta, ele pergunta: o que foi discutido no restante da sessão, e com base em que provas se formou a convicção contra ele?
Daí deriva o ponto central de sua crítica: acusações e supostos documentos teriam sido analisados na sua ausência, sem que lhe fossem apresentados, ferindo o direito de defesa e o princípio básico de que “a quem acusa cabe o ônus da prova”.
8. Os “Considerandos” do REA e as Réplicas de Fabiano
O documento da APL apoia-se em um conjunto de “considerandos” ligados ao Regulamento Eclesiástico-Administrativo (REA). Fabiano os enfrenta um a um.
8.1. Faltas Morais Graves – REA E 12 15 S
O Conselho conclui que, pelas explicações dadas, a conduta de Fabiano teria violado o sétimo mandamento, aproximando-o de faltas morais graves e perversões sexuais. No entanto, em sua defesa, ele afirma categoricamente nunca ter cometido adultério, nunca ter se envolvido com pornografia ou prática sexual desviante, e reclama que nenhuma prova concreta lhe foi mostrada.
Ele considera absurdo que, após 23 anos de ministério, distribuídos em vários distritos, de repente apareça um quadro tão grave, sem histórico anterior, baseado essencialmente em alegações de uma esposa em forte conflito conjugal.
8.2. Retenção de Dízimos – REA E 80 20
Na noite de 3 de setembro, Aguinaldo telefona dizendo que uma auditoria dos dízimos indicava falhas de devolução. Fabiano pensa tratar-se da casa da mãe, em Artur Nogueira, cujo aluguel era parcialmente devolvido como dízimo por ela. Ele admite o erro e promete regularizar, acreditando ser um detalhe contábil.
No Conselho, porém, descobre que o ponto central era o apartamento onde ele mora, alugado pela própria APL, sobre o qual ele imaginava que o dízimo fosse descontado na fonte, assim como ocorre com o salário pastoral. Ao perceber o equívoco, começa imediatamente a devolver o dízimo atrasado, iniciando em 6 de setembro e realizando mais duas devoluções subsequentes.
Fabiano afirma que sempre pregou fidelidade no dízimo e não tinha intenção de reter nada, argumentando que sua “ignorância” sobre o procedimento não deveria ser tratada como fraude dolosa. Questiona por que não recebeu uma simples advertência prévia, com oportunidade de corrigir, em vez de ver esse ponto transformado em base para sua destituição.
8.3. Atividade Comercial com Veículos – REA E 80 10 / E 85 05 S
Outra acusação é que ele teria praticado atividade comercial (compra e venda) de veículos, interferindo nas atividades pastorais. Segundo o que lhe foi dito, Mônia teria alegado que Fabiano vendeu mais de 60 carros.
Fabiano responde que isso é incompatível com a realidade: nunca atuou como comerciante de automóveis, e tal escala de transações inevitavelmente chamaria atenção de autoridades fiscais e da administração, o que jamais ocorreu.
Ele esclarece dois conjuntos de fatos:
Transações do filho Aleph: Aleph, influenciado inclusive pela mãe, começa a comprar e vender carros (Gol 99, depois um Corolla 2008/09, etc.), sempre em seu próprio risco financeiro, mas registrando em nome do pai por comodidade. Em cerca de um ano, troca oito veículos, quase sempre com prejuízo, o que mostra inexperiência, não lucro comercial. Aleph e sua namorada Beatriz vão de livre vontade à APL, são ouvidos por cerca de três horas cada, e apresentam comprovantes bancários demonstrando que eles eram os responsáveis pelas operações.
Carros do próprio Fabiano: em 23 anos, possuir 31 carros – com dois veículos simultâneos para a família, um deles para uso da esposa – cabe dentro do limite permitido pelo Fundo Mútuo, que autorizaria até 46 carros nesse período.
Fabiano desafia a APL a apresentar qualquer documento que comprove comercialização em massa de veículos em seu nome e se declara disposto a quebrar o sigilo bancário para que se verifique a inexistência de lucro paralelo.
9. Exclusão do Direito de Defesa na Comissão Diretiva
Depois do Conselho Ministerial de 4 de setembro recomendar a retirada definitiva da credencial, a decisão final caberia à Comissão Diretiva. Consciente da gravidade do momento, Fabiano pede para estar presente e falar.
O secretário Luiz Otávio, inicialmente, diz que ele poderá ser ouvido; mais tarde, liga afirmando que se enganou, e que a participação de Fabiano seria impossível. O próprio presidente, Aguinaldo, responde por escrito dizendo que o “conselho competente para ouvi-lo” já havia sido o Conselho Ministerial e que ali os assuntos foram “esgotados”, não cabendo nova oitiva.
Mesmo assim, Fabiano comparece ao local, tentando, em desespero, obter alguns minutos de fala. Aguinaldo nega com veemência a possibilidade. Para Fabiano, essa recusa apenas confirma a sensação de que a Comissão Diretiva não seria um fórum real de revisão, mas apenas um selo formal de uma decisão já pré-determinada.
10. Elementos que Apontam Manipulação e Parcialidade
A narrativa de Fabiano reúne episódios que ele interpreta como sinais de manipulação:
Em casa, após o Conselho, Mônia pergunta a Aguinaldo se Fabiano teria dito que a amava na reunião; o presidente responde que não, embora Fabiano afirme ter declarado isso explicitamente na presença do Conselho.
Seu filho mais novo, Gabriel, de 11 anos, o procura chorando e admite ter sido incentivado pela mãe a participar de uma gravação sobre “venda de carros” em troca de um presente caro, com a finalidade de incriminá-lo.
Fabiano menciona que foi informado por terceiros sobre “provas documentais” que Mônia teria apresentado à APL, mas que nunca teve acesso a essas provas, impedindo-o de responder ponto a ponto.
Entre as acusações mais pesadas, menciona-se que teriam sido levantadas imputações de estupro, violência doméstica grave e consumo de pornografia, que não prosperaram na justiça civil, mas que pesaram no juízo eclesiástico sem que ele fosse formalmente confrontado com elas em audiência aberta e com contraditório.
11. Interferência Pastoral no Divórcio
Em 23 de agosto, o pastor Dermival acompanha Fabiano e Mônia ao escritório da advogada dela, Dra. Carla, para tratar de divórcio ou conciliação. Fabiano diz que foi na esperança de reconciliação, mas percebe que o clima da reunião já apontava claramente para a separação, e não para restauração.
Ele relata que, após a reunião, Dermival insiste por mais de uma hora para que ele entregue voluntariamente sua credencial ministerial, como se isso fosse a melhor solução para todos, evitando um processo disciplinar prolongado. Ao recusar, Fabiano sente que está contrariando um roteiro já desenhado.
Esse episódio reforça, para ele, a tese de que a máquina administrativa passou a considerá-lo um “problema” a ser removido, e não um pastor em crise que precisava ser cuidado.
12. Consequências Pessoais e Apelo à União
As consequências são devastadoras: Fabiano se vê sem ministério, sem esposa, sem convívio diário com o filho mais novo, em meio a um processo de divórcio já judicializado, com audiência marcada para 2020. Ele relata ter se sentido abandonado pela estrutura que serviu por décadas, sem visitas, telefonemas ou gestos pastorais de apoio da APL.
No documento, reafirma não ter assinado qualquer rescisão, nem recebido acertos financeiros, e pede à União Central Brasileira que reabra o caso, exija a apresentação das provas, confronte as versões e reavalie o processo disciplinar, a fim de evitar o que ele considera uma injustiça brutal contra si e sua família.
13. O Funcionamento do Sistema Pastoral Adventista Exposto pelo Caso
A partir dessa reconstrução, o caso de Fabiano ilumina o funcionamento prático do sistema pastoral adventista em vários níveis:
13.1. Centralização de Poder e Cadeia de Autoridade
O sistema pastoral adventista é fortemente hierárquico: o pastor de distrito está sob a coordenação direta de um departamental ministerial e de um presidente de campo (Associação/Missão), que, por sua vez, responde à União e à Divisão. Na prática, o pastor local depende diretamente da confiança e da avaliação da administração da Associação, que controla nomeações, transferências e processos disciplinares.
No caso em análise, a decisão inicial de afastar Fabiano do distrito foi tomada rapidamente pela presidência da APL, sem consulta formal à igreja local e antes de um conselho amplo. Isso mostra o peso decisório concentrado no campo, com a comunidade local pouco envolvida, ainda que sofra diretamente as consequências.
13.2. O Conselho Ministerial como Tribunal Interno
O Conselho Ministerial funciona, na prática, como uma espécie de tribunal interno para obreiros, com base no REA. É ali que se avaliam condutas, se interpretam artigos como E 12 15 (faltas morais), E 80 20 (fidelidade no dízimo) e E 80 10 / E 85 05 (atividade comercial e conflito de interesses).
No caso, o Conselho durou cerca de oito horas, mas, segundo Fabiano, sem ouvir a principal denunciante nem apresentar ao acusado todas as provas. Isso sugere que o Conselho pode funcionar tanto como espaço de escuta quanto como fórum de legitimação de decisões já encaminhadas pela liderança, a depender de como é conduzido.
13.3. Procedimentos, Transparência e Devido Processo
O REA é um regulamento interno, não um código processual com garantias plenas de contraditório, ampla defesa e publicidade nos moldes do direito estatal. Ainda assim, princípios bíblicos como Mateus 18 (reconciliação progressiva), bem como o testemunho de Ellen White, indicam a necessidade de justiça, transparência e cautela em decisões que afetam reputações e vocações.
No documento de Fabiano, emergem lacunas claras:
Ausência de acesso às provas documentais usadas contra ele.
Falta de oportunidade de se manifestar perante a Comissão Diretiva, que tomou a decisão final.
Uso de informações de auditoria de dízimos sem prévia advertência nem chance de correção.
Descompasso entre o juízo civil (que arquivou as denúncias de violência) e o juízo eclesiástico (que as teria considerado suficientes para agravar sua imagem).
Esses elementos apontam para um sistema que, ao menos nesse caso, não assegurou um devido processo robusto ao obreiro.
13.4. Proteção da Imagem Institucional versus Cuidado Pastoral
Um ponto sensível é a tensão entre proteger a imagem da igreja e cuidar do pastor em crise. O documento sugere que a administração da APL teria preferido uma solução rápida, sacrificando um pastor cuja reputação já estava comprometida publicamente por narrativas de terceiros, em vez de correr o risco de uma disputa prolongada que poderia expor ainda mais a instituição.
A maneira como a situação do pastor Arilton é tratada também chama atenção: apesar do reconhecimento, numa mensagem privada, de erro nas trocas com Mônia, o texto não registra nenhum processo disciplinar equivalente contra ele. Na percepção de Fabiano, isso reforça a impressão de seletividade e de proteção de figuras midiáticas em detrimento de pastores de distrito menos visíveis.
13.5. Vulnerabilidade do Pastor Local
O caso mostra, por fim, a vulnerabilidade estrutural do pastor local no sistema adventista. Sua subsistência, moradia, reputação e futuro profissional estão diretamente atrelados à confiança da administração do campo. Em situações de conflito conjugal grave, especialmente quando a narrativa pública se volta contra ele, o pastor se vê em posição frágil, sem sindicato, sem instância externa de revisão, e dependente da boa vontade da estrutura para garantir um processo minimamente justo.
14. Análise Final
O caso do pastor Fabiano Sartoratto é, ao mesmo tempo, um drama humano e um espelho institucional. No plano pessoal, mostra um casamento em ruínas, marcado por acusações recíprocas, infidelidade virtual, conversas impróprias, exposição de conflitos íntimos a terceiros, uso seletivo de gravações e instrumentalização de filhos em disputas de adultos.
No plano eclesiástico, revela como o sistema pastoral adventista, tal como operou naquele contexto, pode falhar em garantir um tratamento equilibrado, transparente e pastoral de um obreiro em crise. A combinação de hierarquia concentrada, pressa decisória, uso assimétrico de informações, ausência de contraditório pleno e preocupação com danos à imagem institucional compõe um quadro no qual a justiça substantiva corre o risco de ceder lugar à conveniência administrativa.
Este caso não esgota nem define, por si só, toda a realidade da administração adventista. Contudo, ele expõe, com clareza desconfortável, as fragilidades de um modelo em que o pastor local depende quase totalmente da leitura que sua chefia direta faz de situações complexas, e em que o equilíbrio entre misericórdia, verdade, disciplina e devido processo pode ser rompido, com consequências devastadoras para vidas, famílias e para a própria credibilidade da missão que se pretende defender.