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    “Irmão de Igreja”: Abuso, Silêncio e Alerta a Pais e Lideranças
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    “Irmão de Igreja”: Abuso, Silêncio e Alerta a Pais e Lideranças

    Descubra como abusos são silenciados em ambientes adventistas e por que pais e líderes devem redobrar o cuidado. Leia o alerta completo e proteja sua família

    29 de dezembro de 20258 min min de leituraPor Rodrigo Custódio

    1. Uma adolescência sozinha na igreja

    A narradora situa sua história há cerca de 30 anos, quando tinha entre 16 e 17 anos e começava a frequentar a igreja sozinha, já que seus pais não eram cristãos praticantes e não apoiavam sua ida aos cultos. Ela caminhava cerca de 20 minutos de casa até a igreja, inclusive à noite, sem companhia, o que a deixava em posição de grande vulnerabilidade social e emocional dentro daquele ambiente.

    Ela lembra que, naquela época, uma jovem era “mais inocente” do que hoje: não havia a mesma circulação de informações sobre assédio, violência sexual e estupro, nem a mesma linguagem de proteção à vítima. Isso faz com que, olhando para trás, ela perceba como demorou para entender que aquilo que vivia era abuso — e não apenas “brincadeira”, “carinho” ou “atenção” de um “irmão da igreja”.

    2. A tática do abusador: da saudação forçada ao assédio aberto

    O agressor em questão é apresentado como um “irmão” casado, figura respeitada na comunidade. Ele começou de forma aparentemente inofensiva: cumprimentava, segurava a mão com força, apertava o braço, sempre em nome de uma suposta cortesia, um “cumprimento caloroso”.

    A adolescente, tímida e inocente, sentia desconforto, mas racionalizava: “Ele é da igreja, deve estar só sendo gentil”. Esse é um padrão clássico de abusadores em ambientes religiosos: aproximam-se em gestos socialmente aceitáveis, mas carregados de invasão física e emocional, explorando a confiança e a culpa da vítima.

    Com o tempo, o comportamento escalou:

    • Ele passou a segurar forte o braço, mesmo quando ela tentava se afastar.

    • Começou a mexer no cabelo enquanto ela estava na fila para cumprimentar o pregador, insistindo mesmo quando ela tirava a mão dele.

    • Fazia comentários em voz alta, chamando-a de “minha namorada”, elogiando sua beleza, expondo-a diante de outros, o que a envergonhava profundamente.

    Tudo isso acontecia frequentemente na saída dos cultos, na presença de outras pessoas e com a esposa dele ao lado. A jovem se sentia confusa: por que a esposa não reagia? Por que ninguém dizia nada? Com o tempo, descobriria que aquela mulher também era vítima, sofrendo agressões físicas e psicológicas em casa.

    3. A reação da comunidade: silêncio, minimização e impunidade

    A narradora, envergonhada e sem repertório emocional, não tinha coragem de confrontar o agressor. Começou a evitar a fila, a desviar do caminho, mas o medo e o nojo iam crescendo. Uma mulher da igreja chegou a aconselhá-la a dizer “não encosta em mim”, e ela tentou se impor, mas o comportamento dele não mudou.

    O agressor, então, passou a repetir o padrão com outra moça, ainda mais vulnerável: uma jovem com sequelas neurológicas de um acidente, que tinha idade cronológica de adolescente, mas agia como criança. Essa menina também se sentiu desconfortável, contou para a mãe, e a mãe brigou com o “irmão”. Porém, o caso não foi levado à comissão da igreja, não houve processo disciplinar formal, nem proteção institucional real — e o assunto “morreu”. O abusador apenas deslocou o foco de uma vítima para outra, sem qualquer consequência significativa.

    Quando o assédio chegou à esposa de um ancião — uma mulher casada com um líder de referência na igreja —, o caso finalmente foi levado à comissão. Ainda assim, “não deu em nada”: o homem negou intenção sexual, alegou que não era falta de respeito, e, mais uma vez, tudo terminou em impunidade. Essa dinâmica reforça uma mensagem perversa: se nem quando a esposa de um líder é assediada a estrutura reage com firmeza, quanto menos para proteger adolescentes tímidas e jovens com deficiência.

    4. O prolongamento do trauma e o ciclo da violência doméstica

    O tempo passou, a narradora foi amadurecendo e, já mais velha, finalmente conseguiu impor limites mais firmes: cortava o contato, recusava convites, evitava ir à casa dele, mesmo quando ele usava pretextos religiosos (“estudo”, “ajuda em algo”). Ainda assim, ele insistia, mandava mensagens, tentava reativar a aproximação.

    Mesmo após ela ter deixado a igreja, anos mais tarde, ele ainda a procurou, enviando mensagem dizendo que “precisava falar” com ela. Dessa vez, ela o bloqueou. O trauma, porém, permaneceu vivo: ela carrega até hoje nojo, medo e um sentimento de culpa e impotência, por não ter sabido lidar com a situação na adolescência — algo que, na verdade, não era responsabilidade dela, mas dos adultos e da liderança.

    A história da esposa do agressor agrava ainda mais o quadro. Descobre-se que ela era agredida fisicamente em casa, assim como os filhos. Em uma visita pastoral (ou de amigos), a narradora e o então companheiro presenciam o homem agredindo a esposa na frente deles. Ou seja, trata-se de um padrão de violência continuado, múltiplo: contra a esposa, contra os filhos, contra adolescentes e jovens da igreja.

    E, ainda assim, a estrutura de liderança:

    • Não o disciplinou de forma efetiva.

    • Não o expôs à comunidade como agressor.

    • Não protegeu as vítimas nem criou regras claras de segurança.

    5. Outras formas de assédio na igreja: um problema sistêmico

    O relato não é um caso isolado, mas um exemplo de um problema mais amplo. A narradora menciona:

    • Amigos homens que foram assediados por mulheres mais velhas da igreja, que passavam a mão em suas pernas ou os convidavam para casa quando o marido não estava.

    • Esses rapazes sentiam vergonha de denunciar, com medo de terem sua masculinidade questionada, o que mostra que o abuso também atinge homens, especialmente jovens, e que estereótipos de gênero dificultam ainda mais a denúncia.

    • Situações em banheiros de igrejas, em que homens saíam do banheiro masculino, piscando, fazendo gestos obscenos, saindo com a porta aberta, às vezes ainda ajeitando a roupa, diante de adolescentes que iam ao banheiro feminino ao lado.

    Ela destaca que já viu “muitas coisas” assim e que conhece “muitos casos” semelhantes, o que configura um cenário sistêmico: um ambiente religioso em que o discurso moral é rígido, mas a prática de proteção é frágil; em que a honra institucional importa mais do que o cuidado com vítimas.

    6. O silêncio forçado: medo de perder a fé, a igreja e a família

    Um elemento central do sofrimento da narradora é o silêncio imposto pelas circunstâncias. Ela não podia contar aos pais, porque tinha certeza de que eles a proibiriam de continuar indo à igreja. Como desejava manter sua frequência e seu vínculo com a fé, decidiu calar. Também não se sentia à vontade para falar com líderes, talvez por medo de não ser acreditada, de ser culpabilizada ou de ver o assunto abafado — como de fato aconteceu com outras vítimas.

    Esse dilema é típico de vítimas em contextos religiosos: denunciar pode significar, na prática, perder o único espaço de socialização, espiritualidade e pertencimento que possuem. Muitas acabam optando por suportar caladas, por tentar lidar sozinhas, até que, mais velhas, finalmente se afastam da igreja para proteger a própria saúde mental.

    A narradora reconhece que só conseguiu pôr fim ao ciclo quando amadureceu, ganhou voz, e, finalmente, teve coragem de cortar completamente o contato. Mas ela se pergunta: quantas crianças e adolescentes continuam hoje na mesma situação, sem voz, sem saber nomear o que vivem, sem adultos que as protejam?

    7. Um alerta urgente a pais, líderes e igrejas

    A narradora encerra sua fala transformando sua dor em alerta. Ela se dirige diretamente a pais, mães e responsáveis:

    • Não deixem seus filhos sozinhos na igreja, na Escola Sabatina, no clube de desbravadores, em programações noturnas.

    • Esperem na porta, busquem pessoalmente, observem de perto com quem seus filhos se relacionam, quem se aproxima, que tipo de contato físico há.

    • Entendam que o agressor pode ser homem ou mulher, jovem ou adulto, líder ou membro comum — e que a aparência de piedade e religiosidade não é garantia de caráter.

    Ela também aponta a responsabilidade das igrejas: muitas “não tomam providência quanto a isso”. Casos são abafados, vítimas não são acolhidas, comissões são superficiais, e o agressor volta à ativa como se nada tivesse acontecido. A mensagem que fica para quem sofre é: “Aqui você não está protegido”.

    8. Análise final: quando a espiritualidade vira terreno fértil para o abuso

    Este relato revela um padrão preocupante de como ambientes religiosos, especialmente quando idealizados como “lugares seguros”, podem se tornar campos férteis para abusadores. Alguns elementos se destacam:

    • Confiança cega na “condição espiritual” de alguém: o fato de ser “irmão de igreja” e “casado” gera uma presunção de integridade que encobre comportamentos predatórios.

    • Cultura do silêncio e da vergonha: vítimas se sentem culpadas, com medo de destruir reputações, “escandalizar” a igreja ou serem vistas como responsáveis pelo assédio.

    • Liderança omissa ou negligente: comissões que não resultam em medidas protetivas reais comunicam, na prática, que o agressor pode continuar, desde que negue e mantenha a fachada.

    • Naturalização do abuso como “brincadeira” ou “exagero da vítima”: toques forçados, comentários sexualizados e aproximações invasivas são minimizados, sobretudo quando feitos em público, mascarados de “brincadeira” ou “carinho”.

    • Falta de políticas claras de proteção a menores e vulneráveis: ausência de protocolos, treinamentos e canais de denúncia seguros faz com que casos se repitam e se multipliquem no subsolo da comunidade.

    Contar uma história como essa é um ato de coragem e também de serviço à comunidade. Ao expor o que viveu, a narradora rompe um pacto de silêncio que protege agressores e deixa vítimas isoladas. Ela transforma sua experiência em alerta: fé não é blindagem contra o mal; ambientes religiosos precisam de vigilância redobrada, regras claras, responsabilização séria e acolhimento radical às vítimas, especialmente crianças e adolescentes.

    Que relatos como este sirvam, de fato, para pais, líderes e comunidades reformarem práticas, implementarem protocolos de proteção e deixarem claro, em teoria e na prática: abuso não é “exagero”, não é “mal entendido”, não é “brincadeira de irmão”. É pecado, é violência e exige resposta firme, justa e imediata.

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