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    Por Que Thomas Tillam Não Salva a Teologia de Ellen White
    Eleazar Domini

    Por Que Thomas Tillam Não Salva a Teologia de Ellen White

    27 de dezembro de 20259 min min de leituraPor Rodrigo Custódio

    Resumo: O apologista adventista Eleazar Domini apresenta Thomas Tillam (1657) como a prova de que a teologia do "Domingo como Marca da Besta" é bíblica e histórica, anterior a Ellen White. Este artigo, baseado em fontes primárias como The Seventh-day Sabbath Sought Out and Celebrated (1657) e registros históricos dos Batistas do Sétimo Dia, demonstra que a conexão é superficial e enganosa. Tillam era um adepto da heresia do "Quinto Reino" (Fifth Monarchists), que pregava a instauração de uma teocracia violenta, algo diametralmente oposto à escatologia adventista clássica. Além disso, a existência de um erro teológico no século XVII não o transforma em verdade no século XIX. O uso de Tillam por Domini é um anacronismo seletivo que omite o extremismo de seu "herói" para validar a autoridade de sua profetisa.


    1. Introdução: A Busca Desesperada por Validação

    A apologética adventista sofre de uma ansiedade crônica: provar que Ellen White não inventou suas doutrinas distintivas (Sábado como selo, Domingo como marca, Decreto Dominical). Quando encontram um autor obscuro do passado que disse algo parecido, celebram como uma "descoberta arqueológica da verdade".

    O caso de Thomas Tillam é o exemplo perfeito. Domini o apresenta como um "pastor batista sóbrio". Mas a história real mostra que Tillam era um radical milenarista cujas visões políticas e eclesiológicas seriam consideradas fanáticas até pelos padrões adventistas.
    Usar Tillam para validar White é como usar um alquimista medieval para validar a química moderna: pode haver semelhanças superficiais, mas a "ciência" por trás é fundamentalmente diferente.

    2. Thomas Tillam: O Herege do Quinto Reino

    Para compreender a desonestidade intelectual de usar Thomas Tillam como um "precursor profético" do Adventismo, é necessário remover a maquiagem higienizada aplicada por Eleazar Domini e encarar o homem histórico. Tillam não era um defensor da liberdade religiosa ou da separação entre Igreja e Estado (pilares da escatologia adventista moderna). Ele era um membro ativo e vociferante dos Fifth Monarchists (Homens da Quinta Monarquia), a seita mais radical, violenta e politicamente subversiva da Revolução Inglesa.

    A. A Teologia da Sedição: "Rei Jesus" contra o Parlamento

    Os Fifth Monarchists não eram apenas milenaristas que aguardavam Jesus nas nuvens. Baseados numa interpretação literal e politizada de Daniel 2 e 7, eles acreditavam que era dever dos "santos" pegar em armas para destruir o "Quarto Império" (Roma/Monarquias Europeias) e instaurar o "Quinto Império" (o Reino de Cristo) na terra, imediatamente.

    • A Fonte Acadêmica: O historiador Bernard Capp, em sua obra definitiva The Fifth Monarchy Men: A Study in Seventeenth-century English Millenarianism (Faber & Faber, 1972), lista Thomas Tillam explicitamente como um líder associado a este movimento (p. 264).

    • O Conflito: Tillam e seus associados (como Christopher Pooley) não foram presos apenas por "guardar o sábado", como alega a narrativa vitimista adventista. Eles foram monitorados e presos por sedição. Eles pregavam que o governo de Oliver Cromwell (o Lorde Protetor) era o "Pequeno Chifre" ou uma traição ao Reino de Cristo, porque Cromwell se recusou a entregar o poder total aos "santos".

    B. A Agenda Teocrática: O Fim da "Common Law" e a Imposição da Lei de Moisés

    O ponto mais devastador para a teologia adventista é este: O Adventismo ensina que qualquer união entre Igreja e Estado para impor leis religiosas é a imagem da Besta. Thomas Tillam lutava exatamente por essa união.

    Os Fifth Monarchists tinham um programa político claro:

    1. Abolição da Common Law: Eles queriam queimar os livros de leis da Inglaterra.

    2. Imposição da Lei Mosaica: Eles exigiam que a Inglaterra fosse governada estritamente pelas leis judiciais e morais do Antigo Testamento.

      • Fonte Primária: No manifesto A Standard Set Up (1657), os Fifth Monarchists declararam que "nenhuma lei deve ser exercida entre nós, exceto as Leis de Deus registradas nas Escrituras".

    3. A Contradição: Se Tillam tivesse conseguido o que queria, a guarda do Sábado não seria uma escolha livre de consciência; seria uma obrigação estatal punível por lei, possivelmente com a morte (como no Antigo Testamento).

      • Ao celebrar Tillam, o Adventismo está celebrando um homem que desejava criar a própria "Besta" teocrática que Ellen White profetizou temer, apenas com o dia da semana trocado.

    C. A Conexão Radical: Tillam e Peter Chamberlen

    A teologia de Tillam não existia no vácuo. Ele era associado próximo de Dr. Peter Chamberlen, o mais famoso Sabbatarian Fifth Monarchist da época.

    • O Radicalismo de Chamberlen: Em sua obra The Poor Man's Advocate (1649), Chamberlen propôs que os bens da Coroa e da Igreja fossem confiscados e redistribuídos aos pobres sob uma teocracia sabatista.

    • A Simbiose: Tillam operava na mesma rede de igrejas radicais (como a de Coleman Street e a congregação de Hexham) que viam o Sábado não como um "descanso na graça", mas como a bandeira política de lealdade ao "Rei Jesus" contra o Rei Carlos II. Guardar o sábado era um ato de insurreição política, um sinal de que você não reconhecia a autoridade temporal da Inglaterra sobre a sua consciência ou sobre a legislação do país.

    D. O Fanatismo de Hexham e a Acusação de "Jesuitismo"

    As atividades de Tillam na igreja de Hexham (fundada por ele em 1651) revelam um perfil autoritário, não o de um pastor "batista amoroso".

    • Documentação Histórica: Os registros da Igreja de Hexham (publicados pela Hanserd Knollys Society em 1854) mostram que Tillam estabeleceu um culto à personalidade tão forte que a congregação o chamava de "Apóstolo".

    • A Controvérsia: Ele foi eventualmente expulso e acusado por outros batistas de ser um "Jesuíta disfarçado" e de ensinar doutrinas de perfeccionismo e comunalismo forçado. Sua igreja implodiu sob o peso de escândalos e autoritarismo teocrático.

      • Fonte: E.B. Underhill, Records of the Churches of Christ, gathered at Fenstanton, Warboys, and Hexham, pp. 289-295.

    E. Conclusão da Seção: O Anacronismo Perigoso

    Quando Eleazar Domini diz que Tillam "tinha a mesma Bíblia que nós", ele omite que Tillam lia essa Bíblia com as lentes de um revolucionário teocrata.
    Para o Adventismo, a "Marca da Besta" é a imposição forçada de um dia de guarda pelo Estado.
    Para Thomas Tillam, o objetivo final era a conquista do Estado para impor o "verdadeiro" dia de guarda (o Sábado).

    Se Thomas Tillam vivesse hoje e visse a Igreja Adventista defendendo a liberdade religiosa para quem guarda o domingo e recusando-se a usar a espada para instaurar o Reino, ele provavelmente chamaria os adventistas de "mornos", "traidores do Rei Jesus" e parte da Babilônia. Usá-lo como herói é um erro histórico grotesco que revela a superficialidade da pesquisa apologética adventista.

    3. A "Marca da Besta": Semelhança de Palavras, Diferença de Conceitos

    Domini celebra que Tillam chamou o domingo de "Marca da Besta". Vamos analisar o texto original de 1657:

    "The Sunday Sabbath is purely a child of the Papacy. It is the mark of the beast." (Tillam, The Seventh-day Sabbath Sought Out).

    A semelhança é verbal, mas o contexto é diferente.

    1. Para Tillam (1657): O domingo era a "Marca da Besta" já presente na Igreja Anglicana e no Presbiterianismo. Era um sinal de submissão à tradição de Roma em oposição à Lei de Deus, num contexto onde o Parlamento debatia que dia guardar.

    2. Para Ellen White (1888+): A "Marca da Besta" ainda não foi aplicada. Ela só será aplicada no futuro, quando os EUA decretarem uma lei dominical universal e perseguirem os guardadores do sábado. Hoje, guardar o domingo não é a marca da besta para o adventista (segundo a própria White).

    Ao equiparar os dois, Domini comete um erro anacrônico. Tillam via a marca como uma realidade presente de corrupção litúrgica; White a via como um evento escatológico futuro de perseguição estatal. Tillam queria impor o sábado; White temia que o Estado impusesse o domingo.

    4. A Falácia da Antiguidade (Argumentum ad Antiquitatem)

    O argumento central de Domini é: "Se alguém disse isso 200 anos antes de White, então White está certa e é bíblica".
    Isso é uma falácia lógica.

    • O Erro Antigo: Arianos negavam a Trindade no século IV. Isso não torna a negação da Trindade "bíblica" ou correta hoje.

    • A Heresia Reciclada: O fato de Tillam ter interpretado o Sábado como o teste final não prova que a Bíblia ensina isso; prova apenas que essa interpretação existia na franja radical do puritanismo. Ellen White (ou seus assistentes que pesquisavam bibliotecas) pode ter absorvido essas ideias de tradições batistas do sétimo dia, o que explicaria a semelhança. Isso não prova inspiração divina; prova influência histórica.

    Se a teologia de Tillam prova que White estava certa, então o Adventismo deveria adotar também o resto da teologia de Tillam: o milenarismo terreno, a revolução política e a imposição da Lei Mosaica pelo Estado. Você não pode escolher apenas a "cereja" do sábado e jogar fora o bolo teocrático podre onde ela estava.

    5. O Silêncio sobre a Ressurreição

    Uma nota curiosa nos registros históricos (ver Friends of Sabbath e Journal of the Friends' Historical Society) é que, ao contrário de seu colega Peter Chamberlen, Tillam acreditava que a ressurreição poderia ser celebrada no Domingo, para não causar divisão desnecessária com outros cristãos.

    • O Contraste: O Adventismo moderno ensina que qualquer honra religiosa ao domingo é homenagem ao papado. Tillam era mais ecumênico do que Ellen White!

    • Domini omite esse detalhe porque ele estraga a narrativa do "herói adventista" do século XVII.

    6. Conclusão: Um Espelho Quebrado

    A descoberta de Thomas Tillam é fascinante para a história da teologia, mas fatal para a pretensão de exclusividade profética de Ellen White.
    Mostra que as ideias "únicas" do Adventismo (Sábado vs. Domingo como teste final) não vieram de visões celestiais exclusivas, mas estavam flutuando no caldeirão teológico do radicalismo inglês há séculos.

    Ellen White não foi a primeira a dizer isso. Ela foi apenas a que teve mais sucesso em construir uma denominação ao redor dessa ideia.
    Mas a ideia em si — de que Deus vai julgar o mundo com base em um dia da semana e não na fé em Cristo — continua sendo tão antibíblica na boca de Tillam quanto na de White. Gálatas 4:10-11 ainda ecoa: "Guardais dias, e meses, e tempos, e anos. Receio de vós, que não haja eu trabalhado em vão entre vós."

    Tillam era um homem do seu tempo, lutando contra a corrupção papal com as armas do legalismo puritano. O Adventismo é apenas o eco tardio dessa batalha que a Reforma Protestante (Lutero e Calvino) já havia superado ao focar na Sola Fide e não na Sola Sabbatum.

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