Guardar o Sábado - A Diferença Entre Adventistas do Sétimo Dia e Evangélicos
Entenda por que a doutrina adventista de guardar o sábado não se sustenta biblicamente e descubra as diferenças reais em relação à prática evangélica. Confira agora
Introdução
Adventismo do Sétimo Dia e sua interpretação do conceito bíblico de “Babilônia” têm sido fundamentais para a visão distintiva que essa igreja possui sobre sua relação com a Igreja Católica e as comunidades evangélicas. A acusação adventista de que a Igreja Católica seria a “grande mãe das prostitutas” (cf. Ap 17) e que as igrejas evangélicas seriam suas “filhas” é uma das mais polêmicas posições doutrinárias do movimento. O argumento aventado não se baseia apenas em semelhanças doutrinárias com o catolicismo, mas sobretudo na questão da guarda do domingo versus o sabbath bíblico. Neste artigo, analisaremos criticamente:
O significado e fundamentos bíblicos do conceito adventista de Babilônia, mãe e filhas;
A lógica adventista sobre a guarda do sábado e do domingo;
A consistência histórica e exegética na relação entre práticas da Igreja Primitiva e o desenvolvimento posterior do domingo como dia cristão;
A aplicabilidade da metáfora de “prostituição espiritual” em Apocalipse conforme a hermenêutica protestante clássica.
Por meio de análise bíblica e histórica, este artigo buscará revelar a inadequação das acusações adventistas, destacando a diferença entre celebração da obra de Cristo no domingo e a legalística “guarda” sabática. O leitor será convidado a pensar criticamente sobre a base e consequências dessas doutrinas.
1. O Conceito Adventista de Babilônia, Mãe das Prostitutas e Suas Filhas
A interpretação adventista do Apocalipse identifica a Igreja Católica como a “Babilônia, a grande, mãe das prostitutas e das abominações da Terra” (Ap 17.5) e as igrejas evangélicas históricas como suas filhas. Tal leitura se popularizou especialmente após o advento do adventismo no século XIX, acentuando a ideia de um remanescente guardador do sábado em contraste com cristãos que supostamente caíram em apostasias, sobretudo por aderirem à guarda do domingo.
1.1 Base Hermenêutica Adventista e Implicações Eclesiológicas
A raiz deste entendimento repousa em dois pilares:
Uma leitura historicista do Apocalipse, identificando Roma papal com Babilônia;
Uma diferenciação entre “cristãos verdadeiros” e “cristianismo institucional”, dominado pela corrupção pós-apostólica.
No entanto, tal identificação peca por generalização injusta e anacronismo doutrinário:
Exegese insuficiente: Textos como Apocalipse 17-18 usam linguagem simbólica, referindo-se a sistemas de oposição a Deus ao longo da história, e não necessariamente a um único grupo identificável política ou religiosamente de forma exclusiva.
Redefinição artificial de “filiação”: A conexão feita entre o catolicismo e os evangélicos com base em doutrinas comuns ignora o fato óbvio de que muitos artigos fundamentais da fé cristã – como a doutrina da Trindade, a fé na salvação em Cristo, o batismo, etc. – são consensos históricos antes da reforma protestante.
1.2 Ortodoxia e Heresia: O Problema das Generalizações
O adventismo frequentemente ignora que as bases doutrinárias cristãs, mesmo aceitas pelos católicos, são fundamentadas na Bíblia e confirmadas pelos primeiros concílios da igreja. Reduzir toda herança eclesiástica pré-Reforma a “prostituição espiritual” é, biblicamente e historicamente, inconsistente.
“Porque por ele [Cristo] ambos temos acesso ao Pai em um mesmo Espírito. Assim, já não sois estrangeiros, mas concidadãos dos santos e membros da família de Deus” (Ef 2.18-19).
Logo, a unidade fundamental dos verdadeiros crentes se baseia em Cristo, não em interpretações secundárias sobre dias de celebração.
2. Adventismo, Sábado e Domingo: Rigor Legalista ou Fé Bíblica?
A prática Adventista do Sétimo Dia faz do sábado o divisor de águas entre o “povo remanescente” e as “igrejas de Babilônia”. O argumento principal é que a observância do sábado, como “quarto mandamento perdido”, é sinal identificador dos verdadeiros fiéis, enquanto a guarda do domingo seria evidência de apostasia.
2.1 O “Kit Sábado” Adventista: Lista de Proibições e suas Implicações
A vivência prática sabática entre adventistas envolve extensa lista de proibições:
Veda-se qualquer tipo de compra, transação financeira, estudo ou atividade laboral;
É proibido o entretenimento secular, uso de internet para fins não eclesiásticos, rotinas domésticas comuns;
O sábado vai do pôr-do-sol de sexta ao pôr-do-sol de sábado, imposição que, historicamente, variou dentro do próprio movimento adventista, segundo relatos sobre mudanças de entendimento de Ellen G. White.
Deste modo, surge o problema da incongruência prática: mesmo entre adventistas, a adoção literal, exaustiva e igualitária das proibições é impossível de ser cumprida no cotidiano. Tal legalismo, além de distorcer a intenção original do mandamento, nega a liberdade conquistada em Cristo (Gl 5.1).
“Portanto, ninguém vos julgue pelo comer, pelo beber ou por causa dos dias de festa, ou da lua nova, ou dos sábados. Porque tudo isso tem sido sombra das coisas que haviam de vir; porém o corpo é de Cristo” (Cl 2.16-17).
2.2 O Argumento da “Guarda” do Domingo pelos Evangélicos
Os adventistas acusam evangélicos e católicos de guardarem o domingo de modo análogo à guarda adventista do sábado. Entretanto, análise objetiva mostra o oposto:
Para a maioria esmagadora dos evangélicos, domingo é dia de culto, confraternização, celebração da ressurreição de Cristo, não um “sabbath cristão” com restrições legalistas;
Não existem proibições ortodoxas de trabalho, rotina doméstica ou entretenimento no domingo dentro da tradição protestante;
A vida cotidiana dos evangélicos no domingo não reflete nenhuma tentativa de “guardar” o dia em padrão mosaico.
Assim, é falacioso equiparar as práticas dominicais protestantes ao legalismo sabatista adventista, pois são fenômenos de natureza e intenção radicalmente diferentes.
3. Evidências Bíblicas e Históricas Acerca da Celebração Cristã do Domingo
A acusação adventista de origem pagã para a observância dominical ignora tanto a documentação neotestamentária quanto os registros patrísticos, sendo refutada pela própria história da igreja.
3.1 Igreja Primitiva, Domingo e a Ressurreição de Cristo
Mesmo antes de Constantino, já há clara evidência, tanto bíblica quanto patrística, que os cristãos reuniam-se no primeiro dia da semana para celebrar a Ceia e memorizar a ressurreição de Cristo.
Atos 20.7: “No primeiro dia da semana, estando nós reunidos para partir o pão...”;
1 Coríntios 16.2: “No primeiro dia da semana, cada um de vós ponha de parte o que puder ajuntar...”;
Didaché e outros escritos dos Pais da Igreja já atestam cultos cristãos regulares aos domingos.
“Igualmente os apóstolos ordenaram ‘no dia do Senhor’ reunir-se, a fim de celebrar com alegria a Eucaristia e dar graças a Deus por tudo” (Didaché 14.1, séc. I/II).
3.2 O Papel de Constantino e a Falsa Origem do Domingo
Afirmar que Constantino “inventou” o domingo cristão é um erro histórico:
O imperador apenas reconheceu e institucionalizou prática já difundida entre cristãos no Império Romano;
Se o sábado fosse o dia principal dos cristãos até então, Constantino teria adotado o sábado, e não o domingo, para unificação religiosa e política;
O registro das primeiras décadas pós-apostólicas mostra um consenso crescente em torno da celebração da ressurreição de Cristo dominicalmente.
Portanto, o domingo não substitui o sábado em ordem legalista, mas é memorial da nova criação em Cristo, conforme destacado na teologia reformada clássica.
4. Babilônia em Apocalipse: Uma Leitura Bíblico-Teológica Consistente
A leitura adventista de Babilônia reduz o símbolo apocalíptico à Igreja Católica e aos que com ela “se assemelham”, ignorando o sentido teológico mais profundo proposto por João.
4.1 Babel, Babilônia e a Prostituição Espiritual
Na tradição bíblica, “Babilônia” simboliza sistemas humanos em rebeldia orgulhosa contra Deus, seja Babilônia literal (Dn 4), seja Roma Imperial, seja toda a configuração de poder hostil à verdade evangélica. Portanto, aplicar esse termo de forma limitada à igreja católica ou a quem compartilha práticas comuns é exegese reducionista.
“Caiu! Caiu Babilônia, a grande, que tem dado a beber a todas as nações o vinho da fúria de sua prostituição...” (Ap 14.8)
Os reformadores e teólogos ortodoxos entenderam “Babilônia” como símbolo de toda corrupção religiosa, seja ela encontrada em Roma, em Jerusalém ou na apostasia de qualquer era. Não há absolutamente apoio bíblico para restringir a prostituição espiritual aos que simplesmente concordam em doutrinas essenciais da fé cristã.
4.2 O Verdadeiro Remanescente: Uma Questão de Messias, Não de Calendário
O Novo Testamento define o remanescente não pela guarda de um dia, mas pela fé viva em Cristo Jesus. Portanto:
Não há menção de Jesus guardando o sábado após Sua ressurreição;
O cumprimento pleno da lei se dá n’Ele, e a nova aliança chama todos para a liberdade do Evangelho (Gl 5.1);
Os verdadeiros crentes são definidos por sua permanência em Cristo e obediência ao Evangelho, não por regulações mosaicas.
“Pois todos quantos são guiados pelo Espírito de Deus são filhos de Deus” (Rm 8.14).
A tentativa adventista de indexar o status espiritual ao calendário semanal nega o centro do Novo Testamento: “Foi por liberdade que Cristo nos libertou” (Gl 5.1).
5. Aplicações Práticas e Reflexão Bíblica Sobre Unidade Cristã
O adventismo do sétimo dia frequentemente cria divisões sectárias infundadas, com base em uma teoria artificial entre supostos guardadores do sábado/remanescentes e cristãos “babilônicos” meramente por celebrarem a Cristo no domingo.
5.1 Frutos do Espírito vs. Lista de Proibições
A identificação do povo de Deus baseia-se:
No arrependimento autêntico e fé em Cristo;
Nos frutos do Espírito e amor mútuo (Jo 13.35; Gl 5.22-23);
No compromisso com o Evangelho puro acima de regulamentações cerimoniais.
A acusação constante de que os evangélicos “guardam o domingo” e, por isso, encontram-se em Babilônia, não passa de construção sectária sem sustentação bíblica ou histórica. Torna-se instrumento de manipulação e manutenção identitária, não proclamação do Evangelho.
Conclusão
A análise bíblica, histórica e teológica apresentada revela que a acusação adventista de que católicos são “a mãe das prostitutas” e evangélicos suas “filhas” por causa da celebração do domingo é biblicamente falha, historicamente imprecisa e teologicamente sectária. O sábado mosaico foi cumprido em Cristo e a celebração dominical dos cristãos nasce não da imposição católica, mas da centralidade da ressurreição de Jesus.
A verdadeira marca do remanescente está na fé autêntica em Cristo, não na administração de calendários. Doutrinas fundamentais compartilhadas com a tradição católica (como Trindade, encarnação, redenção) são de origem apostólica, não corrupção pós-apostólica. A insistência adventista nessa distinção artificial está enraizada em identidade de grupo e legalismo, não em fidelidade às Escrituras.
Ao leitor inquieto, a recomendação bíblica é clara: olhe para Cristo e a suficiência de Sua cruz, celebre com liberdade o Senhor da ressurreição e rejeite divisões humanas não sustentadas pela Palavra de Deus (Rm 14; Cl 2.16-17; Gl 5.1). Que nosso compromisso seja sempre com a verdade bíblica e a unidade do corpo de Cristo.